Mediunidade e Pluralismo: Iluminando os Caminhos da Prática Espírita

Numa entrevista enriquecedora, Edmir Freitas desvenda os nuances da mediunidade à luz dos ensinamentos espíritas.

Edmir Freitas, Presidente Emérito do Grupo Espírita Abrigo da Esperança (GEAE) e atual diretor da Diretoria de Assistência Espiritual (DAE), carrega uma trajetória notável no movimento espírita. Desde a fundação do GEAE em 1984, Edmir tem sido uma peça fundamental na evolução e no direcionamento da Casa Espírita. Sua dedicação e liderança, presentes ao longo de quatro décadas, têm sido vitais não apenas para o GEAE, mas também para o movimento federativo. Foi uma peça fundamental na permuta de conhecimentos entre a Federação Espírita do Distrito Federal e as Casas Espíritas do Guará quando atuou, por sete anos, como diretor de estudos doutrinários da FEDF. Seu compromisso ininterrupto com a causa espírita demonstra a profundidade de sua fé e o impacto de seu trabalho.

A entrevista com Edmir Freitas ilumina significativamente os debates em torno de temas importantes em discussão nas Casas Espíritas, abordando conceitos como atavismo religioso, animismo e sincretismo religioso, essenciais para o entendimento e a prática da Doutrina Espírita. O atavismo religioso refere-se à influência de crenças e práticas ancestrais na vivência espiritual atual, indicando como traços e tendências espirituais podem ser herdados por meio de gerações, impactando a forma como vivenciamos a religiosidade hoje. Já o animismo, na prática mediúnica, destaca a contribuição do médium à comunicação espiritual, na qual suas próprias experiências, pensamentos e emoções podem influenciar a mensagem recebida do mundo espiritual, ressaltando a importância do autoconhecimento e da educação mediúnica. Por fim, o sincretismo religioso aborda a combinação de elementos de diferentes tradições religiosas, o que pode tanto enriquecer quanto desafiar a pureza doutrinária do espiritismo, exigindo estudo e discernimento para harmonizar essas influências com os princípios espíritas. Esses conceitos são fundamentais para a compreensão e a evolução nas Casas Espíritas, destacando a necessidade de contínuo estudo e prática consciente.

Acompanhe a entrevista:

P: Como o animismo e o atavismo se manifestam na prática mediúnica dentro do Espiritismo?

R: Sempre que falamos em mediunidade, falamos de Espírito desencarnado e de um outro, encarnado, o qual, por esse contato com o primeiro, é chamado de médium. Logo, esse encarnado, mediante a sua estrutura espiritual e cultural, passa “algo” dele próprio para a comunicação mediúnica. Assim, animismo e atavismo estarão sempre presentes nas comunicações, em maior ou menor grau, devido aos registros ancestrais e as experiências contemporâneas do médium.

P: De que forma o GEAE lida com os fenômenos de animismo em suas sessões mediúnicas?

R: Considerando que toda e qualquer comunicação, seja com que médium ou Espírito for, deva ser analisada antes de ser divulgada e, em se verificando a excessiva interferência de médiuns na comunicação, eles devem ser chamados para avaliação espiritual (obsessão e auto-obsessão), psicológica, social e também biológica, já que transtornos físicos também podem interferir nas comunicações. A partir dos cursos e treinamentos iniciais dentro da programação do Geae, os médiuns são observados com cuidado, sendo acompanhados pelo DAE – Departamento de Assistência Espiritual, a fim de que não saiam do percurso espírita, que é o objetivo do Centro.

P: Quais são as principais curiosidades sobre o cuidado na educação da mediunidade, para se evitar confusões entre animismo e comunicação espiritual?

R: O médium precisa atender ao que preceitua uma das obras básicas da Doutrina Espírita, escrito pelo seu Codificador, Allan Kardec: O Livro dos Médiuns, que trabalha plenamente o conhecimento sobre a mediunidade. E de lá aprendemos: o médium precisa se preparar, em seu dia-a-dia, a fim de que seu padrão não lhe permita vibrar com Espíritos não esclarecidos. A benevolência, a indulgência e o perdão (Questão 886 de O Livro dos Espíritos) precisam ter a atenção merecida, como preparo diário do Médium. Além disso, o treinamento na Casa Espírita, para que a sua educação da mediunidade seja acompanhada com a prática e os esclarecimentos devidos, já que o fenômeno mediúnico se dá com toda a estrutura íntima do medianeiro. Disso resulta a união dos vários registros de seu perispírito, os quais se juntam à mensagem do Espírito comunicante, às vezes com suas próprias ideias se sobrepondo à comunicação deste último. Assim, sem o cuidado diário com os bons pensamentos e sentimentos, bem como sem o estudo doutrinário-mediúnico, é bem comum o médium se confundir e quiçá se perder em sua missão.

P: Existem práticas específicas dentro das casas espíritas para educar médiuns sobre o atavismo e suas implicações?

R: A Literatura espírita – com o argumento principal da base mediúnica de O Livro dos Médiuns – é clara ao afirmar que o médium sempre participa das comunicações, seja de forma consciente, semi-consciente ou até mesmo inconsciente, em graus diversos. Assim, a questão é o Centro trabalhar o médium com estudo e prática da Doutrina e da mediunidade, com reuniões específicas para isso, considerando o auto-conhecimento e a técnica, para que o medianeiro possa identificar o seu do pensamento dos Espíritos.

P: Como a influência de outras religiões tem afetado o movimento espírita, especialmente no que diz respeito ao sincretismo?

R: Quando o trabalhador espírita vem da evangelização na Casa espírita, em geral não tem problema quanto a outras crenças, pois já firmou seu alicerce nessa sua própria Doutrina inicial. Porém, quando sua origem é de outras crenças, em geral traz consigo preceitos anteriores, fazendo-o, em geral, misturar a crença de agora com a sua, anterior. Somente o estudo sério e metódico da Codificação espírita e as suas obras subsidiárias são capazes de afastar o sincretismo com os respectivos condicionamentos, que afetam a pureza doutrinária espírita.

P: De que maneira o sincretismo religioso enriquece ou desafia a prática e os ensinamentos da Doutrina Espírita?

R: A cultura humana é riquíssima e nossos antepassados, secundados por Espíritos que são responsáveis pelo progresso do planeta, trabalharam as crenças de acordo com o momento evolutivo das gerações. Assim, eram naturais os rituais e que hoje são lembrados ainda por algumas crenças. A Doutrina Espírita, sendo o “consolador” prometido pelo Cristo, veio para a renovação dessas crenças e valores, na continuidade dos ensinos de Jesus, a considerar que nossos ditames morais carrearão as nossas emoções, os nossos sentimentos e pensamentos, que secundarão nas ações tomadas, trazendo por óbvio as consequências inerentes ao que fizermos. Assim, consideramos que o sincretismo representou seu momento histórico, mas que agora deve ser vigiado diuturnamente pelas Casas espíritas, para que seus trabalhadores, embora com boa vontade mas por ignorância, não venham a macular os ensinos espíritas.

P: Pode-se considerar o animismo e o atavismo como etapas no desenvolvimento mediúnico?

R: Como isso é abordado nas obras espíritas clássicas? R: A Doutrina Espírita nos ensina que somos um “bloco” de informações, seja de experiências de agora, chamadas de subpersonalidades, ou de outras encarnações, nominadas de personalidades múltiplas. Nesse grande sistema físico e espiritual, considerando o exercício da mediunidade, temos que a variação do estado “alpha” faz com que o indivíduo entre no que chamamos de “transe”, e notadamente nas comunicações como médiuns, vemo-los com: a) ingerências do próprio cérebro, ou a própria personalidade (comunicações personímicas); b) comunicações da própria alma (animismo) ou c) de real comunicação do Espírito comunicante. Para qualquer experiência na vida, em regra necessita-se do estudo e da prática, e com a mediunidade não é diferente. Assim, animismo e atavismo são comuns no progresso do médium, principalmente dos iniciantes, não excluindo os outros, experientes, que também devem ser acompanhados para que não prejudiquem o teor da mensagem espiritual que virá a ser transmitida por seu intermédio.

P: Qual é a importância do estudo contínuo da literatura espírita, como o “Livro dos Espíritos”, na compreensão do animismo e do atavismo?

R: O Livro dos Espíritos é um dos livros da Codificação Espírita, que ensina “sobre a imortalidade da alma, a natureza dos Espíritos e suas elações com os homens, as leis morais, a vida presente, a vida futura e o porvir da Humanidade – segundo os ensinos dados por Espíritos superiores com a cooperação de diversos médiuns – recebidos e coordenados por Allan Kardec”. Logo, respondendo à questão em tela, quando se estuda O Livro dos Espíritos o médium se prepara não apenas para a sua labuta física, mas também tem o norte certo para o seu trabalho como médium, pois essa obra nos ensina sobre os princípios da Doutrina, como: a existência de Deus, evolução, sobrevivência da alma, reencarnação e o que aqui está em comento, a comunicabilidade com os Espíritos, seja em que grau estiverem. Esta última – a comunicabilidade – é de tamanha importância que foi objeto único de outro livro da Codificação espírita, também escrito por Allan Kardec, intitulado de O Livro dos Médiuns, estudo indispensável ao médium, obra essa que o orientará como pessoa que recebe as comunicações do outro plano, traduzindo de sua alma e de sua personalidade as mensagens dos Espíritos, já que se faz intermediário para essa missão, e como tal terá a consciência de traduzir com fidelidade o pensamento daqueles desencarnados que lhe trazem a mensagem espiritual, em detrimento de suas próprias ideias.

P: Ao incorporar espíritos de diferentes matrizes religiosas que compartilham princípios de amor, fé, melhoramento moral e prática da caridade, não estaria o médium contribuindo para a expansão da Doutrina Espírita?

R: Ainda existem Espíritos com diversas “roupagens” espirituais, que apregoam certas crenças ligadas a rituais próprios e de outrora, mas que transmitem ensinos amorosos e que traduzem mensagens edificantes, e devem ser respeitados onde estão. E também eles respeitam o nosso ambiente, quiçá estranho aos seus costumes, pontuando aqui que seja um Centro Espírita, agindo de forma a não confundir os atendidos, considerando a filosofia da Instituição que visita. O Centro espírita os recebe com carinho e respeito, mas com a atenção devida, pois, tocando os corações daqueles com quem excepcionalmente se comunicam, podem levar estes últimos aos caminhos também desse maneirismo que lhes são próprios, pois podem se confundir (os atendidos) e achar que faz parte de seu progresso repetir o mesmo padrão que viu no Espírito que lhe atendeu. O Centro se pauta na condução dos valores edificantes, do amor, cuidando da forma simples conforme exemplo de Jesus, e o Espírito esclarecido sabe disso ao entrar na Instituição. Se ele ainda se porta de forma inadequada, mesmo sabendo onde está – tirando a questão do animismo e reflexo condicionado do médium – é por estágio pessoal ainda não liberto de suas crenças individuais. O que dizer de um encarnado espírita dentro da igreja evangélica ou católica, procurando transmitir a reencarnação e comunicação com Espíritos; ou gesticulando passes naqueles que estão naquelas igrejas? Ele sabe que não deve se portar assim, por respeito ao local que não é o seu.

P: Quando um médium espírita incorpora entidades ligadas a religiões de matriz africana que se harmonizam com os princípios doutrinários espíritas, essas entidades poderiam oferecer informações e orientações valiosas?

R: Nesse caso, há que se averiguar se é reflexo condicionado do médium, por crenças próprias de outros momentos, ou se é de fato o Espírito comunicante que se apresenta de tal ou qual maneira. Se com certeza partindo a comunicação somente do Espírito, consideremos a fala de Manoel Philomeno de Miranda, onde acompanhava o trabalho de esclarecimento da irmã Emerenciana, e ainda na presença de Bezerra de Menezes – em psicografia de Divaldo Pereira Franco (livro: Loucura e Obsessão, cap. 9 , Novas Luzes Para a Razão) -, ao nos ensinar a respeito: (…) “Dei-me conta de que a sala recebia umas sessenta Entidades desencarnadas que ali operavam. Eram silvícolas brasileiros, antigos ex-escravos e anteriores praticantes do culto afro ao Brasil. A Mentora, ao largo do tempo, assim fazendo, libertava-os das práticas ancestrais ainda predominantes.” (destaquei). E nessa obra continua a nos informar que um Espírito de matriz africana ou indígena pode se apresentar assim por duas razões no Centro onde de praxe se comunicam: 01) ou ele não é mais assim, mas se torna em aparência perispiritual devido ao público que necessita dessa forma que ele já deixou há tempos, 02) ou tem realmente essa forma ainda, mas deverá participar de “escolas” existentes nos planos espirituais, para abandonar seus rituais e sua aparência, já que isso na essência não pertence ao Espírito.

P: Quais seriam as suas considerações finais?

R: Falando aqui resumidamente, em 1857 foi-nos apresentada a primeira obra da Codificação, dando sequência ao planejamento espiritual para a mudança de fase humana já menos imatura, comparando-a ao tempo de Jesus. Com isso, a Doutrina Espírita nos traz o saber, e os Centros Espíritas precisam se ater à sua essência, cuidando dos seus trabalhadores e do seu público frequentador com os estudos e daí seguindo-se com as práticas mediúnicas seguras. Somente assim a Instituição não se perderá, pois firmes nos postulados da Doutrina. Ensino planejado por excelência, dentro do “conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”, o Espiritismo nos fará vencer este mundo ainda de “expiação e provas”, vindo a nos presentear com o outro anunciado, “de regeneração”, progresso esse já em andamento. Assim, dentro dos ensinos que a Doutrina Espírita nos oferta, vamos exercitar o bem em nós, para que transfiramos isso aos outros; e a alegria diuturna, embora as provações necessárias ao nosso progresso. Agindo desta forma, antes de sermos médiuns somos aqueles “trabalhadores da última hora”, agora já ensinando e consolando, dentro do que também aprendemos com Jesus e o Espiritismo: “Amar a Deus sob todas as coisas, e ao próximo como a si mesmo”!

O comprometimento de Edmir Freitas com o GEAE e sua clara visão sobre o desenvolvimento mediúnico e o respeito ao pluralismo religioso evidenciam a profundidade e a riqueza da Doutrina Espírita. Para aqueles interessados em explorar mais sobre os estudos e os trabalhos realizados pelo GEAE, encorajamos a visitar o Centro e a participar de suas atividades. A jornada espiritual é enriquecida com o estudo, a prática e a vivência dos ensinamentos espíritas, promovendo um caminho de luz, amor e evolução.

 

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