INTOLERÂNCIA RELIGIOSA

A liberdade de expressão é uma conquista recente nos anais da história. Durante todo o processo evolutivo da raça humana, tiranos, déspotas, assim como seitas, doutrinas e religiões oprimiram e cercearam o livre pensar.

De todas as liberdades, a mais inviolável é a de pensar, que abrange a de consciência. Lançar alguém anátema sobre os que não pensam como ele é reclamar para si essa liberdade e negá-la aos outros, é violar o primeiro mandamento de Jesus: a caridade e o amor do próximo. Perseguir os outros, por motivos de suas crenças, é atentar contra o mais sagrado direito que tem todo homem, o de crer no que convém e de adorar a Deus como o entenda. Allan Kardec – O Evangelho Segundo o Espiritismo – 1864.

A liberdade de expressão é uma conquista recente nos anais da história. Durante todo o processo evolutivo da raça humana, tiranos, déspotas, assim como seitas, doutrinas e religiões oprimiram e cercearam o livre pensar. Lembremos de Giordano Bruno, filósofo reencarnacionista, que em 1600, por discordar dos dogmas religiosos da época foi condenado à fogueira purificadora, ele proclamava que  “milhares de mundos, sóis inumeráveis se achavam disseminados na infinita amplidão; que a Terra era um átomo lançado no espaço; não tinha importância especial nem preeminência com relação a outras terras, as quais também se moviam no etéreo espaço infinito; afirmava que tudo é perfeição e ordem na natureza, devendo ter-se como errada a doutrina que conferisse prerrogativas ao atrasado mundo em que habitamos”.  Esse grande filósofo, cujo terrível crime era estar acima da ignorância de sua época, sofreu hediondo martírio defendendo as verdades que viera trazer ao mundo. Exemplos como esse pululam na história humana.

Constatamos que em todas as épocas da humanidade o fervor religioso dos fundamentalistas ortodoxos, transformou-se em uma arma assustadora, sempre disposta a disparar contra os que pensam de modo diverso, semeando o ódio que leva às perseguições e  aos massacres.

O Brasil, embora a sua miscigenação racial e cultural, não é uma exceção às perseguições dogmáticas e sectaristas. O Código Penal Brasileiro de 1890 no seu artigo 157 qualificava como delito: “Praticar o espiritismo, a magia e seus sortilégios, usar de talismãs e cartomancias, para despertar sentimentos de ódio ou amor, inculcar cura de moléstias curáveis ou incuráveis, enfim, para fascinar e subjugar a credulidade pública”. No momento em que se instaurava o regime republicano (1889), persistia a intolerância diante de novas crenças. Mesmo durante as primeiras décadas do século XX, com respaldo do Código Penal, foram tomadas diversas iniciativas de combate ao espiritismo. Autoridades policiais e sanitárias protagonizaram muitos episódios de perseguição. Mas a repressão se concentrou, como era de se esperar, nas práticas religiosas populares, que exibiam referências africanas.

Neste período, ganhou importância a atuação da Federação Espírita Brasileira (FEB), criada em 1884, que se viu no dever de lutar pela liberdade religiosa e ajudar a difundir a doutrina pelo país.  A atuação da FEB se deu prestando orientações legais aos centros espíritas através da transcrição de processos criminais e de casos e na imprensa, pelas páginas do Reformador (publicado ainda hoje).  Funcionava também como centro espírita, com atividades de culto e estudo, incluindo um serviço de “receituário homeopático mediúnico”, iniciado em 1899, que chegou a atender no ano de 1923, quase 400 mil pessoas.

Com a promulgação do novo Código Penal brasileiro em 1949, no governo Vargas, persistiram os artigos acerca de “charlatanismo” e “curandeirismo”, mas o termo “espiritismo” já não constava mais da lei. Na prática, os “kardecistas” deixaram de ser assediados pelas autoridades. O mesmo não aconteceu com os cultos afro-brasileiros, que continuaram sendo vítimas de perseguição.

Nos dias atuais, apesar das conquistas sociais inquestionáveis e avanços na área científica, ainda observamos com profunda tristeza, pessoas divulgarem mensagens fomentando a intolerância e o ódio, principalmente no campo religioso. Chegamos à barbárie de vermos templos religiosos sendo queimados, pessoas sendo agredidas fisica e emocionalmente por grupos organizados em defesa de rincões de intolerância e fundamentalismo religioso. Esse mesmo fundamentalismo levou os líderes religiosos   a rejeitarem a mensagem de Amor, trazida pelo Cristo e o levaram à morte.

Após 2000 anos a sociedade Cristã ainda não compreendeu os ensinos trazidos por Jesus em sua regra áurea: “Assim, em tudo, façam aos outros o que vocês querem que eles lhes façam; pois esta é a Lei e os Profetas”, Mateus 7:12.

Essa é uma lei universal, que resume a ética e a moral necessárias à construção de um mundo de paz e respeito. Os gregos diziam: “Não façais ao próximo o que não desejeis receber dele”; os persas: “Fazei como quereis que vos faça”; os chineses: “O que não desejais para vós, não façais a outrem”; os egípcios: “Deixar passar aquele que fez aos outros o que desejava para si”; os hebreus: “O que não quiserdes para vós, não desejeis para o próximo”; os romanos: “A lei gravada nos corações humanos é amar os membros da sociedade como a si mesmo”.

Hellen Keller, primeira pessoa surda e cega a conquistar um bacharelado, nos diz que o resultado mais sublime da educação é a tolerância.  Torna-se urgente educarmo-nos para construirmos uma sociedade inclusiva, onde as diferenças sejam respeitadas e principalmente aceitas.

Gostaria de finalizar este artigo citando a Declaração de Princípios sobre Tolerância, da UNESCO, aprovada em 16/11/95, onde encontramos no seu art.1º – intitulado Significado da tolerância: “A tolerância é o respeito, a aceitação e apreço da riqueza e da diversidade das culturas de nosso mundo, de nossos modos de expressão e de nossas maneiras de exprimir nossa qualidade de seres humanos. É fomentada pelo conhecimento, a abertura de espírito, a comunicação e a liberdade de pensamento, de consciência e de crença. A tolerância é a harmonia na diferença. Não só é um dever de ordem ética; é igualmente uma necessidade política e jurídica. A tolerância é uma virtude que torna a paz possível e contribui para substituir uma cultura de guerra por uma cultura de paz.”

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