Desencarne coletivo é parte do processo de regeneração
Vítimas de acidentes fatais e catástrofes são recebidas pela espiritualidade
Entrevista com Edmir Freitas, presidente do Geae
O primeiro quadrimestre de 2015 registrou dois acidentes aéreos de grande proporção, cujas investigações seguem buscando uma resposta para a morte de cerca de 200 pessoas. A primeira catástrofe aconteceu em 04 de fevereiro, quando uma aeronave da TransAsia caiu em um rio na cidade de Taiwan, deixando 40 mortos. No final de março, um Airbus da companhia Germanwings levou à morte 150 pessoas, supostamente derrubado pelo copiloto. Passada a comoção, e amenizada a atenção da mídia, restam ao menos duas perguntas: o avião deixou de ser um transporte seguro? Qual o sentido da morte coletiva em acidentes, à luz da doutrina espírita?
Números oficiais referentes ao ano de 2014, divulgados no Brasil e no exterior, confirmam ter havido um aumento no número de mortes, mas não no volume de acidentes aéreos no mundo. Balanço da Agência dos Arquivos de Acidentes Aéreos registra 120 acidentes aéreos, que fizeram 1.328 vítimas fatais no ano passado, superando pela primeira vez, desde 2010, a marca de 1.000 mortos. Apesar do número de mortes, 2014 foi um dos mais seguros na história da aviação civil comercial, segundo avaliação da Associação Internacional do Transporte Aéreo (Iata): a entidade registrou 12 acidentes fatais, envolvendo aeronaves diversas, número menor que a média anual de 19 incidentes registrada entre os anos de 2009 e 2013. No Brasil, dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) indicam que o número de acidentes aéreos caiu pelo segundo ano consecutivo: 139 incidentes, dos quais 28 com vítimas fatais.
Dada a sua magnitude, os acidentes aéreos inspiram comoção e acendem questionamentos em torno da fugacidade e o sentido da vida. A doutrina espírita oferece alento e favorece a compreensão de tal fenômeno, à luz dos desígnios divinos que comandam a evolução do mundo terreno. Essa perspectiva é tema de entrevista com Edmir Freitas, vice-presidente do Geae, que aborda princípios da transição planetária para explicar o sentido dessas tragédias como parte da transição do mundo de expiação e provas para o de regeneração que ainda virá – ele lembra que esse momento já fora previsto no Novo Testamento e confirmado na codificação espírita por Allan Kardec, mas acontece agora. Segundo Edmir, esses momentos são prévia e plenamente preparados pela espiritualidade, que organiza a recepção e os cuidados àqueles que desencarnam nessas circunstâncias. Edmir afirma que a prece é a maior contribuição que podemos oferecer à essas pessoas, auxiliando no amparo e garantindo a energia que precisarão para avançar em sua regeneração. Leia os principais trechos da entrevista:
Em abril, houve grande comoção em torno do acidente aéreo nos Alpes franceses, que levou à morte 150 pessoas. Como a doutrina espírita interpreta incidentes em que haja o desencarne conjunto de grande número ou grupos de pessoas?
Edmir Freitas– A doutrina espírita esclarece pontos obscuros da vida e é sumariamente consoladora. Para se entender isso, obviamente ligando os seus princípios libertadores e evolutivos, faz com que entendamos esses fatos como parte da Lei Natural e da Justiça Divina como bem coerente. Nós, como Espíritos milenares, somos possuidores de passado de desmandos por descumprimento às leis de Deus, o que favorece a necessidade de providências que nos harmonizem conosco próprios e com os nossos semelhantes. Assim, diríamos, resgatamos as nossas culpas – ou dívidas morais – em conjunto com outros que nos foram cúmplices e/ou que tiveram a mesma natureza de culpa.
Como a doutrina espírita explica acidentes como esse (seja em aviões ou outros meios de transporte, como ônibus) e por que tais fenômenos têm se tornado tão mais comuns nos últimos anos?
E. F. – Explica como simples lógica da “causa e efeito”, afinal vivemos o hoje com os reflexos do que fizemos ontem, estando num futuro marcado por resultados de uniões e atitudes infelizes, quando deveríamos ter vivido de forma mais fraterna. Nada acontece por acaso e, em regra, nos reunimos a outras pessoas também com contas a saldar diante do prejuízo que causamos a indivíduos ou à coletividade. Assim acontece porque vivemos diante dos princípios da evolução e reencarnação, logo, reiniciando e alternando entre aqui e o mundo espiritual, agindo e melhorando devido a novas chances que nos são dadas por Deus. Porém, lamentavelmente, nos conscientizamos muito devagar, devido a vários fatores como ambição, apego e orgulho; vaidades avassaladoras. Catástrofes sempre existiram e de acordo com sua época, como o incêndio histórico de Roma, tomadas e consequente massacre de reinos; as Cruzadas e outras guerras ideológicas; o naufrágio do Titanic, quedas de aviões, incêndios em edifícios como o “Joelma”, sem contar o número de acidentes naturais, como tempestades e ciclones, terremotos e tsunamis, todos mais conhecidos atualmente, pois estamos em um mundo tecnológico onde as notícias são rapidamente divulgadas. Por outro lado, quando lemos os sinóticos Marcos, Mateus, Lucas e em especial João Evangelista (este último em seu livro chamado Apocalipse), todos eles insertos no Novo Testamento, vemos que esses apóstolos visualizaram tudo isso acontecendo numa escala maior no futuro, no que se intitulou de “final dos tempos”, devido ao período de transição (do mundo de expiação e provas para o mundo de regeneração) anunciado pelo Cristo e confirmado pelos Espíritos superiores a Allan Kardec, nos livros da Codificação – O Livro dos Espíritos, O Evangelho Segundo o Espiritismo, A Gênese e o Céu e o Inferno, dentre outros de sua lavra. E esse “final de tempo” é agora; nesta época em que estamos vivendo! Essa é a razão pela qual devemos modificar as nossas “disposições morais”, em última oportunidade neste planeta! (vide em Kardec, na A Gênese, cap 18, item 33).
Do ponto de vista da espiritualidade, o que se dá depois de um acidente dessa magnitude? Pode-se inferir que tais espíritos sejam imediatamente socorridos?
E. F. – Como já dito, longe de ser punição divina, existe a lei do progresso agindo nessas fatalidades, pelas lições a serem aprendidas e pela limpeza psíquica adjacente. Diante disso, há sempre programação espiritual necessária ao momento, para que quando os mencionados desencarnes coletivos aconteçam, exista enorme movimentação no mundo espiritual para receber as suas vítimas. Afinal, lembremos o dito popular ao nos falar de Deus: Ele sabe o que há na terra e no mar; e não cai uma folha (da árvore) sem que Ele disso tenha ciência.
Como se dá a transição entre mundos nesses casos? A conscientização do espírito desencarnado é imediata ou depende de algum outro fator?
E. F. – A separação da alma e do corpo em regra não é dolorosa. Em geral, sofremos mais durante a vida do que nessa hora. É um aspecto bem esclarecido no O Livro dos Espíritos (Questão 154). A conscientização do espírito desencarnado nesse estado vai depender de fatores como desapego, vida moral apurada; de a vítima ser espiritualizada, enfim. Grande parte dos acidentados ficará em postos de socorro próximos à crosta terrestre da erraticidade, sendo tratada em seu perispírito, para que, em pequeno ou longo tempo seja reabilitada, dependendo de cada caso. Uns, ainda, ficarão próximos ao corpo sem vida até que despertem para a sua nova realidade como espírito. Finalmente, outros já estarão preparados para se dirigirem a dimensões superiores.
Como a espiritualidade se movimenta para amparar tais espíritos e o que as pessoas que ficaram, especialmente familiares e amigos, podem fazer para ajuda-los?
E. F. – Os Espíritos movem “céus e terra” para nos socorrerem e nos receberem em todas as circunstâncias, não apenas em situações como essas. Criam postos de serviços e se utilizam de outros existentes, para que no plano espiritual sejamos abraçados nas melhores condições que pudermos proporcionar a nós mesmos, devido o estado de nossa consciência. Nunca é demais lembrar que todos nós, sem exceção, temos os companheiros amigos desencarnados, que nos inspiram ao bem e assim nos querem ver. Não se entristecem pelas nossas provações e expiações – por saberem necessárias ao nosso progresso-, a não ser quando nos sentimos desestimulados, desesperançados, sem fé. Da parte dos encarnados, sempre a prece, a maturidade dos sentimentos, a busca da fé, para que os que se foram não fiquem mais angustiados com o nosso sofrimento. Isso se torna relativamente simples quando permitirmos que a doutrina espírita verdadeiramente faça parte de nossos sentimentos.
Em casos como esse, qual a importância da prece e como aproveitá-la em benefício das pessoas que partiram?
E. F. – O Espírito culpado e infeliz pode sempre salvar a si mesmo, recebendo da lei de Deus em que condições isso poderá se dar. Então, o que nos fala Allan Kardec sobre aquele em estado de provação: “o que lhe falta é a vontade, a força e a coragem. Se, pelas nossas preces, lhe inspiramos essa vontade, se o amparamos e encorajamos; se, pelos nossos conselhos, lhe damos as luzes que lhe faltam, em vez de solicitar a Deus que derrogue a sua lei, tornamo-nos instrumentos da execução dessa lei de amor e caridade, da qual ele assim nos permite participar, para darmos nós mesmos uma prova de caridade”. (Ver Céu e Inferno, I ª parte, caps. IV, VII e VIII). A prece sempre nos fortalece a todos, pelo que nos inspira e consola.
Como confortar familiares e amigos e atenuar a sensação que fica para todos de que acidentes assim são violências imerecidas?
E. F. – Alertando sobre o estudo e consciência da doutrina espírita, a qual nos esclarece que devemos aceitar todos os episódios que nos ocorrem como incidências naturais de percurso, pois representa aprendizado e experiência destinados à conscientização do progresso. Com esses estudos, entendemos a chave da reencarnação, que explica tais acontecimentos como oportunidade de abrir o futuro de redenção de nosso passado delituoso e infeliz, facultando-nos facilmente concluir que a provação inevitável fez o bem, embora sob circunstâncias para nós consideradas trágicas. Desta forma agindo, fazemos concluírem que ao invés de lamentações e de lágrimas, comuns a esse estado, seremos chamados a colaborar com as vítimas, estendendo-lhes o coração amigo e fraterno de irmãos e filhos de Deus, acima de tudo. Pelo magnetismo da sintonia espiritual, eles receberão essas mensagens de nossos verdadeiros sentimentos, norteados pelo pensamento e prece. A emotividade sem ação de nada serve, e a ação, neste caso, paradoxalmente, é a resignação, com lágrimas quiçá de saudade, mas nunca fruto do desespero.