DA CULPA À REPARAÇÃO: mecanismos para o aprimoramento moral

Por Thaís Santiago Barros, revisão de Rodolfo Castro

Os estudos psicológicos atestam a presença do sentimento de culpa como conteúdo dos sintomas de vários transtornos mentais. Por isso, uma das orientações a qualquer pessoa que esteja em sofrimento psíquico deve ser: “perscrute o seu íntimo e verifique se sente culpa por algo que tenha feito recentemente ou no seu passado.” Se houver resquícios de culpa, analisá-los pode ser um caminho terapêutico para o início de uma limpeza na alma. Se todos limpassem as camadas de culpa que trazem na alma seriam seres mais pacíficos, menos rancorosos e conviveriam em grupo de maneira mais fraterna.

A culpa surge do entendimento de que se violou uma lei moral, acompanhada, na maioria das vezes, de um sentimento de desvalorização do eu, resultante dessa violação.

Se, em algumas vezes, a culpa é sintoma dos sofrimentos psíquicos, em outras, ela é a causa da dor moral e psicológica do ser. A dor da culpa é, na maioria dos casos, a dor da não reparação.

A culpa não reparada causa uma sobrecarga emocional pela consciência do cometimento da falta moral. Por conta disso, a pessoa pode vir a sentir vergonha, raiva e ódio de si mesma, e desenvolver padrões negativos e destrutivos de comportamento. A autoestima decai e desenvolve-se a crença de que não é merecedora da felicidade e de que não é capaz de produzir e agir positivamente.

Na consciência estão gravadas as Leis de Deus[1] e é por intermédio dela que o indivíduo intui se um pensamento, uma ideia, uma intenção ou um ato pode ser bom ou ruim, certo ou errado, saudável ou danoso, favorável ou prejudicial.

No entanto, o homem, mesmo tendo a consciência como o guia de suas intenções e ações, quase sempre escolhe o caminho dos vícios, da imprudência, do egoísmo e do orgulho. Por conseguinte, a “voz da consciência” tem sido utilizada mais como mecanismo de autopunição do mau comportamento do que como orientação para a boa ação.

Em decorrência disso, o homem experimenta atribulações e sofrimentos, que são “uma forma de expiação, de correção temporária e uma advertência quanto às imperfeições que lhe cumpre eliminar em si, a fim de evitar males e progredir para o bem.”[2]. Kardec, por sua vez, esclarece que expiação “consiste nos sofrimentos físicos e morais que lhe são conseqüentes, seja na vida atual, seja na vida espiritual após a morte, ou ainda em nova existência corporal”[3].

Quando o homem não impede o mal e não elimina em si os vícios morais assinalados pela consciência, ocorre um tipo de “sabotagem” à sua evolução espiritual. Por conseqüência, o arrependimento, a expiação e a reparação – exigências de Deus para por fim aos sofrimentos, são adiados durante sucessivas reencarnações[4][5][6].

Pode-se dizer que o ciclo “sabotador” que impede a progressão espiritual se estabelece em função da relação entre o sofrimento, a expiação e a culpa. Mais detalhadamente, o homem sofre em função das conseqüências de suas más escolhas e condutas, pelo desvio do caminho reto. Tais conseqüências incluem culpa pela acusação de sua própria consciência e a obrigatória necessidade de expiar.

Quais seriam, então, os passos para romper o ciclo “sabotador” que impede o aprimoramento moral?

O primeiro passo é o reconhecimento da culpa, pela conscientização detalhada dos atos danosos e das suas conseqüências. Ou seja, deve-se fazer uma autoanálise dos próprios sofrimentos e dos comportamentos geradores dos mesmos. Essa autoanálise pressupõe uma postura de autorresponsabilidade, que é quando o indivíduo reconhece que suas decisões e ações são, inevitavelmente, responsáveis tanto pelo seu sofrimento quanto pela sua satisfação. Do mesmo modo, o indivíduo recua na atitude de culpar os outros pelas ocorrências de sua vida e de transferir a responsabilidade de suas decisões e ações para terceiros. Pois “a responsabilidade da falta é toda pessoal, ninguém sofre por erros alheios, salvo se a eles deu origem, quer provocando-os pelo exemplo, quer não os impedindo quando poderia fazê-lo”[7].

O segundo passo é o arrependimento, que é caracterizado pelo sofrimento e lamento do espírito pelo mal que cometeu. Esse sentimento é comumente descrito como “peso da consciência”, ou remorso, ou pesar. Para que seja proveitoso deve vir acompanhado da disposição de não mais infringir ou violar as leis morais. E, embora seja um sentimento penoso de auto-agressão, é uma importante etapa no processo de aprimoramento, pois enquanto não ocorre o arrependimento, mais adiada será a entrada do espírito no processo de expiação produtiva, que é quando poderá vivenciar suas provações numa postura mais consciente e ativa, com fé na regeneração de si mesmo.

A disposição de não errar novamente é pré-requisito à reabilitação, mas não é o bastante para libertar o culpado de todos os infortúnios. Deus espera que seus filhos provem, pela reparação, o retorno ao bom caminho[8]. Isso porque há espíritos que, à primeira vista, podem causar uma impressão de arrependimento e de vontade de se regenerar, mas que, em função de padrões viciosos, em outra oportunidade, fraquejariam cometendo os mesmos desvios de antes[9].

A reparação, para os fins que se propõe esse artigo, será considerada o terceiro passo para o aprimoramento moral do culpado. 

A reparação foi analisada por Kardec como um princípio de rigorosa justiça, uma verdadeira lei de reabilitação moral dos espíritos. Consiste em fazer o bem àqueles a quem se havia feito mal. Quem não repara os seus erros numa existência, deverá fazê-lo, posteriormente, numa nova vivência. Há de se tornar o oposto do que foi quando errou e demonstrar seu arrependimento pela prática de bons exemplos, especialmente, nas áreas morais que agiu em desacordo com as leis divinas.

No evangelho de Jesus encontram-se referências[10] de seus aconselhamentos aos culpados, sublinhando que para a verdadeira cura, para a regeneração do homem que erra e se desvia das leis de Deus é preciso arrepender-se e não reincidir nas atitudes viciosas.

Não “reincidir” é a atitude esperada pelo Cristo daqueles que curou, dando-lhes oportunidade de regeneração. Não “reincidir” é início do processo de reparação. Não “reincidir” e fazer o bem é o final do processo de reparação e o início de uma vida segura, reta, rumo ao progresso intelectual e moral.

No próximo artigo, falar-se-á de como o autoconhecimento e a autorresponsabilidade podem favorecer, na vida cotidiana, a reparação dos erros, das atitudes moralmente viciosas, responsáveis pela instalação doentia e sabotadora da culpa.

Artigo relacionado ao autor: Desesperança: das causas à terapêutica


[1] Livro dos Espíritos, questão 621; [2] O Céu e o Inferno; [3] O Céu e o Inferno, 1ª parte, capítulo 7; [4] Evangelho no Lar, p. 80; [5] Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. 5, item 4; [6] O céu e o Inferno, cap. 5, item 3; [7] O Céu e o Inferno, 1ª parte, cap. 7; [8] O Céu e o Inferno, 2ª parte, cap. 5, item 6; [9] O Céu e o Inferno, 2ª parte, cap. 4; [10] Vide, por exemplo, João 5:6-8; João 5:14 e João 8:11.

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2 Comentários

  1. Thaís,

    a temática da culpa é tão presente em nossas vidas e as referências lúcidas são tão escassas, inclusive, na própria Doutrina Espírita que a leitura do seu texto é um presente.
    Associar os mecanismos da culpa aos da expiação foi o grande destaque do seu estudo. Acredito que você trabalhou muito bem o significado da reparação.
    Parabéns.

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