ACEITAÇÃO, INÍCIO DA TRANSFORMAÇÃO MORAL
A transformação moral requer o direcionamento adequado da vontade em aperfeiçoar-se, do autoconhecimento e da aceitação das características de personalidade que dificultam a prática do bem.
A transformação moral requer o direcionamento adequado da vontade em aperfeiçoar-se, do autoconhecimento e da aceitação das características de personalidade que dificultam a prática do bem.
A aceitação, nesse caso, se define como “o desejo ou a disposição de se manter em contato com pensamentos, emoções e sentimentos sem [evitá-los ou] alterá-los” (Hayes et al, 1999). Ou seja, a pessoa precisa reconhecer honestamente como pensa, sente e age, para depois analisar qual parte de si necessita de ajustes.
A dificuldade de autopercepção é um dos maiores obstáculos nesse processo de aceitação, pois perceber, avaliar e julgar os outros é mais fácil do que a si mesmo. É muito comum que ao iniciar-se na busca do autoconhecimento as pessoas utilizem, inconscientemente, dois mecanismos de defesa: a negação e a projeção.
A negação ocorre quando o indivíduo se recusa a assumir um pensamento, uma emoção ou um comportamento como sendo seu. A projeção acontece quando o indivíduo percebe, não em si, mas, involuntariamente, no outro, as próprias características e comportamentos (Freud, Anna; 2006). Em ambos os casos, o indivíduo está se protegendo do sofrimento psíquico que sentiria, caso se conscientizasse de suas fragilidades.
Um dos métodos para vencer os mecanismos de defesa na busca da aceitação é colocar-se em prontidão para a análise da própria sombra. Sombra é um conceito desenvolvido por Carl Gustav Jung, psiquiatra suíço, que designa “a parte negativa da personalidade, isto é, a soma das propriedades ocultas e desfavoráveis, das funções mal desenvolvidas e dos conteúdos do inconsciente pessoal” (2007, p. 58). Em outras palavras, a sombra é tudo aquilo que somos, mas ignoramos ser, pois tudo o que o indivíduo não quer ser ou ver em si mesmo permanece oculto em seu inconsciente.
Contudo, não só os aspectos desfavoráveis da personalidade permanecem camuflados, mas também os favoráveis, como os talentos, as capacidades, as competências que ainda não foram despertadas, uma espécie de “sombra de luz” (Ford, 2016). Jung defendia ser primordial para o desenvolvimento humano o processo psicológico conhecido como individuação, que é a de integração desses opostos – a “sombra da escuridão” e a “sombra da luz” – mantendo, entretanto, sua autonomia.
Diante dessas assertivas, pergunta-se, como explorar o inconsciente pessoal em busca da sombra no cotidiano?
Alguns exercícios de autoconhecimento sugeridos por Ford (2016) auxiliam nessa tarefa:
- Se você não consegue ver sua sombra, pergunte a alguém do seu convívio íntimo quais são as suas características pessoais agradáveis e desagradáveis. Aproveite para pedir exemplos de situações em que agiu de acordo com tais características.
- Reserve um tempo para relaxar, respirar profundamente. Coloque uma música suave e faça a si mesmo as seguintes indagações: Quais aspectos da minha vida precisam ser mudados? O que mais temo que alguém descubra sobre mim? O que pode me impedir de fazer o trabalho necessário para transformar a minha vida?
- Preste atenção às características dos outros que mais te aborrecem, pois podem ser a negação ou a projeção de um aspecto seu.
- Por fim, estude qual é o benefício ou talento correspondente dos seus aspectos negativos.
Aos espíritas, diante do desafio de se aproximar cada vez mais do homem de bem (ESE, Cap. XVII, Item 3), surge a tarefa de buscar a integração e o equilíbrio de características opostas como: egoísmo x caridade, malevolência x benevolência, ganância x abnegação, injustiça x justiça, agressividade x amabilidade, desesperança x esperança, intolerância x tolerância, vingança x indulgência, ignorância x consciência, arrogância x humildade.
Recomenda-se, portanto, o exercício da vigilância, do automonitoramento diário da experiência interna, identificando e conscientizando-se de pensamentos, sentimentos, sensações físicas e comportamentos que as situações de pressão do dia a dia desencadeiam em si.
A partir do processo da autoconsciência, ou seja, da compreensão de suas sensações íntimas, o indivíduo se torna “um bom intérprete de si mesmo”. De acordo com Hammed (2000, p. 101) “nossas emoções e sentimentos estão sempre nos dizendo sobre nossas necessidades e relações (físicas e transcendentais) com os outros, […] aceitá-las não quer dizer que devemos agir de acordo com elas, mas, simplesmente, que nós as percebemos como realmente são. As três etapas: conscientização, aceitação e reflexão fazem parte de um processo que proporciona saúde mental e/ou espiritual”.
É assim que o ser humano se torna verdadeiramente livre para transformar suas disfuncionalidades psíquicas e comportamentais.
Em resumo, aceitar-se sem julgar e agir na direção desejada, abstendo-se de ações não condizentes com a transformação moral, é um caminho para o desenvolvimento moral.
Em O Evangelho segundo o Espiritismo (Cap. XVII, Item 4), Allan Kardec fez um chamamento para que os espíritas não recuem ante a obrigação de se reformarem, pois “reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral e pelos esforços que emprega para domar suas inclinações más.” Pierrakos, (2005) adiciona: “O mal do mundo é a soma do mal que existe em cada um, […] acaba-se com mal do mundo conhecendo e transmutando a própria sombra.”
Ford, Debbie. (2016). O lado sombrio dos buscadores de luz. SP: Cultrix; Freud, Anna. (2006). O Ego e os Mecanismos de defesa. Tradução: Francisco Settíneri. Porto Alegre: Artmed; Hammed. (2000). A imensidão dos sentidos. Psicografia de: Francisco do Espírito Santo Neto. SP: Boa Nova; Hayes, S. C. et al. (1999). The impact of acceptance versus control rationales on pain tolerance. The psychological record. 49: 33-47; Jung, C.G. (2007). Psicologia do Inconsciente. Petrópolis: Vozes; Kardec, Allan. (2002). O Evangelho segundo o Espiritismo. RJ: FEB; Pierrakos, E. e Thesenga, D. (2005) Não Temas o Mal, São Paulo, 17 ed. Cultrix