“A MORTE NÃO É UM FIM, SIGNIFICA QUE UMA ETAPA FOI CUMPRIDA”

No mês em que é celebrado o Dia de Finados, o Espiritismo convida à confiança no futuro e reforça a imortalidade da alma

Entrevista com Rodolfo Castro

A maioria dos países ocidentais de tradição cristã se une em 2 de novembro para celebrar o Dia de Finados. A data entrou para o calendário oficial da Igreja Católica no século XIII, consagrando uma prática estimulada desde muitos séculos antes, em que os cristãos passaram a dedicar um dia do ano para cultivar a memória dos mortos. Na Idade Média, o Dia de Finados era tratado como o Dia de Todas as Almas, sempre comemorado depois do Dia de todos os Santos, celebrado em 1º de novembro – registros históricos apontam que, no ano de 998, o monge beneditino Odilo de Cluny estabeleceu a obrigatoriedade da oração pelos mortos a todos os integrantes de sua abadia (em Borgonha, na França) e aos seguidores da Ordem Beneditina.

País com um dos maiores contingentes de católicos do mundo (65% da população, segundo dados mais recentes do IBGE, o equivalente a 123,9 milhões de pessoas), o Brasil também celebra o Dia de Finados, estabelecido como feriado nacional.

A tradição do culto aos mortos permite o debate de temas de grande relevância, como a doação de órgãos e a cremação dos corpos. Uma das prioridades na política de saúde pública do governo federal, a doação de órgãos ainda é uma decisão dolorosa para muitas famílias e tem crescido a passos lentos no Brasil. Dados da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO) registram um aumento de 3% no volume de órgãos doados em 2014: 7.898 no total. Segundo o Ministério da Saúde, o número de doadores cresceu 90% nos últimos seis anos: ainda assim, mais de 30 mil pessoas aguardam na fila de transplante. O Brasil realiza uma média de 23,5 mil transplantes por ano.

A falta de novos espaços para a instalação de cemitérios combinada com os altos custos financeiros para aquisição e manutenção de jazigos têm levado à maior procura pela cremação. Se na década de 90 o Brasil contava com apenas um crematório (o de Vila Alpina, em São Paulo), hoje 32 estão em operação por todo o país. No mês em que é celebrado o Dia de Finados, o Informativo do GEAE discute esses temas, em que vida e morte caminham juntas. O que a doutrina espírita nos diz sobre o culto aos mortos? Como o espírito desencarnado experimenta a doação dos órgãos do seu corpo físico ou sua cremação? É o que responde Rodolfo Castro, diretor do Departamento de Assistência Espiritual (DAE) da Casa, na entrevista que segue:

Em diversas partes do mundo, em 2 de novembro é comemorado o Dia de Finados. Essa data faz parte do calendário espírita? Como a doutrina enxerga o culto à memória dos desencarnados?

Rodolfo Castro – A doutrina espírita, embora respeite as crenças de todas as pessoas, não traz em seu calendário o dia de finados, dada a crença na imortalidade da alma. Entendemos a morte como parte de um contínuo de experiências. A palavra finados representa, para a maioria das pessoas, o fim da vida. Contudo, devemos ampliar nosso entendimento e associar o termo à conclusão de uma tarefa. Assim, o Dia de Finados deixa de ser um dia de tristeza e passa a ter uma proposta pedagógica, na qual observando a vida dos nossos entes queridos que desencarnaram, iremos aproveitar suas ações para modificar nossos atos.

O Dia de Finados propõe uma reflexão em torno de temas associados ao momento da morte, como o ritual do sepultamento, a doação de órgãos e a cremação. Para abrir esse debate à luz da doutrina, pergunto como se dá a passagem?

R. C. – Devemos refletir que a morte, ainda que de forma paradoxal, não significa o fim da vida, visto que o espírito continua a existir. A morte representa o fim da organização biológica necessária para que o espírito possa reencarnar, a qual chamamos corpo físico. Dessa forma, entender o objetivo pelo qual reencarnamos torna-se necessário. De acordo com os espíritos amigos, na questão 167 do Livro dos Espíritos, a reencarnação tem como finalidade o aprimoramento progressivo do espírito. Significa dizer que, em função de nossas experiências pretéritas retornamos à carne (reencarnarmos) para reparar nossos erros e/ou dar continuidade às nossas obras, o que nos leva ao aprimoramento espiritual. Esse aprimoramento espiritual acontece dentro de um planejamento: significa dizer que antes de reencarnar tomamos consciência do que precisa ser reparado e de que teremos um tempo para realizar nossa tarefa regenerativa. Nosso corpo é preparado para cumprir essa tarefa. Assim, de forma geral, quando cumprimos o planejado ou quando as energias vitais do corpo se esgotam, ocorre o fenômeno da morte: a Alma não tem como continuar vinculada ao corpo.

O que acontece ao espírito da pessoa que é sepultada? Desliga-se rapidamente ou permanece próximo do jazigo no cemitério? Essa acomodação sob a terra provoca algum desconforto no espírito?

R. C. – Vamos recorrer à Kardec. Nas questões de 154 a 162 (Livro dos Espíritos), os espíritos amigos nos esclarecem sobre esse desligamento. O espírito se liga ao corpo, por intermédio do perispírito, que é a matriz pela qual nosso corpo se estrutura. A morte se dá, como já mencionamos, quando os fluidos vitais do corpo se esgotam. Nesse processo de esgotamento fluídico, os laços que prendem o perispírito ao corpo são lentamente rompidos, tanto que na questão 154, os espíritos comparam a morte à lâmpada que se apaga. Além do desligamento lento, a morte não é dolorosa para o espírito. Contudo, o espírito pode experimentar desconforto ao desencarnar, por apego à matéria, isto é, o sofrimento é relativo ao adiantamento moral do espírito, inclusive na hora da morte, tanto que Kardec, no livro O Céu e o Inferno, traz as seguintes considerações: “a causa principal da maior ou menor facilidade de desprendimento é o estado moral da alma. A afinidade entre o corpo e o perispírito é proporcional ao apego à matéria“. Essa afirmação do codificador indica que devemos nos preparar para morrer. Quanto mais entendermos que somos espíritos imortais e que estamos reencarnados para nos aprimorar, mais estaremos preparados para o desencarne e mais rápido será o desligamento do nosso perispírito. Ao contrário, quanto mais apegados à matéria, seja pelo medo da morte seja pelos prazeres, mais difícil será a aceitação do desencarne e, consequentemente, mais tempo será gasto para o desligamento do nosso perispírito, o que acarreta sofrimento para a Alma. É importante perceber que o desconforto que o espírito pode experimentar é relativo a falta de entendimento do real significado da vida.

Como a doutrina espírita enxerga o ambiente dos cemitérios?

R. C. – A doutrina esclarece que o ambiente é reflexo das mentes que nele se encontram. Por esse motivo, convida-se para que, em todos os encontros na casa espírita, a prece seja o elemento inicial e final, visto estabelecer uma psicosfera mais salutar. Esse é o raciocínio que nos ajuda a entender o ambiente dos cemitérios. Em função da falta de entendimento geral acerca da vida espiritual, de que a morte não é um fim, o ambiente dos cemitérios é marcado por tristeza, dúvidas e muita revolta, logo, a psicosfera em torno desse ambiente não é salutar. Contudo, nada que nos impeça de visitá-lo, afinal, a prece é o recurso mais valioso e efetivo para mantermos nossa psicosfera elevada e de paz.

O Dia de Finados chama atenção para a doação de órgãos. Como a doutrina avalia essa iniciativa e como o espírito, na iminência do desencarne, reage à decisão?

R. C. – Recorremos aos ensinos de Joanna de Ângelis para responder essa pergunta, sobre a qual ela afirma: “verdadeira bênção, o transplante de órgãos concede oportunidade de prosseguimento da vida física, na condição de moratória, através da qual o Espírito continua o périplo orgânico. Afinal, a vida no corpo é meio para a plenitude – que é a vida em si mesma, estuante e real“. (Dias Gloriosos). A partir desse ensinamento avalia-se que a doutrina espírita é favorável a doação de órgãos, encarando-a como um gesto de caridade. Contudo, destaca-se que esse ato de caridade deve advir de uma decisão consciente do doador, com objetivo de beneficiar o próximo, aliviando as dores e sofrimentos alheios. Na medida em que se tem essa consciência diz-se que é um gesto de amor e o espírito desencarnado não ressente a doação.

Qual o impacto da doação de órgãos sobre o espírito que está em processo de desencarne? Ele percebe a falta ou seu períspirito mantém-se composto?

R. C. – O perispírito é a matriz pela qual o corpo físico se estrutura, ou seja, nossos órgãos e sistemas são reflexos dos órgãos e sistemas perispirituais. Kardec, em A Gênese, afirma que a ligação do perispírito e do corpo físico se dá molécula a molécula. Dessa forma, há uma forte interação entre os órgãos nos dois corpos. Assim, tudo que ocorre em um dos corpos acarretará em reflexo no outro. Porém, o perispírito como matriz possui maiores possibilidades que o corpo físico. Em função de sua constituição, o perispírito apresenta maior plasticidade, o que lhe permite ser reconstituído com maior facilidade. Dessa forma, quando a doação é fruto de um ato consciente e motivado pelo real desejo de ajudar o próximo, o espírito desencarnado empregará esforços, junto aos amigos espirituais, para regenerar seu próprio perispírito. Essa regeneração perispiritual não se dá apenas quando há doação de órgãos. É um processo natural, afinal, o desgaste dos órgãos, pelo processo do envelhecimento ou de doenças é também acompanhado pelo desgaste dos órgãos no perispírito. Assim, ao desencarnar o espírito passa por um processo de regeneração de seu corpo espiritual (perispírito). Contudo, esse processo é natural quando a doação de órgãos é fruto de uma tomada de decisão consciente. Porém, infelizmente, sabe-se do tráfico de órgãos, no qual, à revelia do doador, seus órgãos são extirpados. Tal situação promove sofrimento e revolta no espírito que passou por essa experiência traumática, podendo, inclusive, acarretar em processos obsessivos. Mas, a benevolência de Deus é maior e promove auxílio e amparo nessas situações.

Podemos imaginar que a decisão de doar seja parte da missão a ser cumprida pela pessoa, como um último compromisso? As famílias que tomam essa decisão são intuídas, ou trata-se exclusivamente de um gesto de caridade, sem conexão com as tarefas assumidas na encarnação?

R. C. – Pelo conhecimento das obras espíritas que temos, até o presente momento, a doação de órgão é fruto de um processo de conscientização e, portanto, um gesto de caridade e não um último compromisso do planejamento reencarnatório.

Qual o impacto do órgão transplantado sobre a pessoa que o recebe? Ela recebe o fluido vital da pessoa que doou? Como se dá essa troca de energia? Há quem pense que a pessoa transplantada “herda” características e sentimentos do doador.

R. C. – Convém relembrar que tudo que acontece ao espírito, encarnado ou desencarnado, é decorrência da lei de causa e efeito. O adoecimento é parte de um processo de regeneração e a cura é o final dele. Assim, quando uma pessoa é transplantada sente-se livre dos processos que a acometeram, contudo, é preciso considerar se de fato é merecedora dessa concessão, afinal, nem sempre o transplante coincide com o final do processo de regeneração. Tudo isso, torna a questão ainda mais complexa. Do ponto de vista fluídico pode-se considerar que cada órgão contém as características peculiares de seu doador, contudo, após o transplante tais características (fluídicas e vibratórias) devem ser transmutadas, caso isso não ocorra haverá o processo de rejeição do órgão transplantado. Enfim, tais fluidos ficam impregnados no órgão, porém, para haver um transplante efetivo, tais fluidos devem ser moldados às características fluídicas do novo organismo. Isto se dá mediante a vontade e merecimento do receptor, bem como, a partir do desejo sincero em auxiliar do doador. Agora, as características especificas do órgão são de natureza, essencialmente, fluídica, não representando características de personalidade do doador. Sendo assim, nenhum órgão transplantado irá promover mudanças na personalidade de quem o recebe.

O que a doutrina espírita nos revela sobre os casos em que há rejeição ao órgão doado e mesmo a morte da pessoa transplantada, seja durante a cirurgia, seja pouco tempo depois?

R. C. – Para além dos fatores fisiológicos, Luiz Gonzaga Pinheiro, no livro O Perispírito e suas modelações, estabelece, de forma didática, alguns fatores responsáveis pelo processo de rejeição dos órgãos transplantados: o estado moral dos envolvidos: o estado moral do ser modela os órgãos perispirituais à sua própria condição vibratória, o que estabelece para cada perispírito uma densidade específica; a vitalidade do órgão: cada pessoa tem uma quantidade de energia específica e o desnível energético entre o doador e o receptor pode acarretar em rejeição; a conscientização do doador, sem o qual passará por dores e angústia, visto ressentir a falta do órgão transplantado; obsessão no receptor: isto se dá quando um espírito espoliado (tráfico de órgãos, por exemplo) se revolta e passa a buscar reparação pelo que lhe aconteceu e, por fim a fase da lei de causa e efeito em que o receptor se encontra: o adoecimento é parte de um processo regenerador e nem sempre o receptor terá cumprido esse papel. Enfim, percebe-se que a questão dos transplantes é demasiadamente complexa.

Como a doutrina enxerga a cremação dos corpos? O espírito desencarnado sente alguma coisa? O que acontece com seus fluidos vitais, especialmente nos casos de morte prematura?

R. C. – A cremação é uma prática antiga, na qual, em culturas ancestrais estava associada à purificação das almas dos mortos. Porém, de acordo com o Espiritismo, alguns detalhes devem ser destacados. Como já mencionamos, os laços que unem o espírito ao corpo se desfazem lentamente e, dependendo do estado evolutivo do espírito, essa fase de transição (desligamento) pode representar um período de perturbação. Como espírito e corpo físico estiveram ligados muito tempo, permanecem elos de sensibilidade que precisam ser respeitados, assim, embora, o corpo morto não transmita nenhuma sensação física ao espírito, a impressão do acontecido pode ser percebida por este, havendo possibilidade de surgir traumas psíquicos e, por essa razão recomenda-se um prazo de 72 horas para a cremação. O mesmo raciocínio vale para o caso de morte prematura. Os amigos espirituais necessitam de tempo para extinguir os fluidos vitais e auxiliar o espírito que desencarnou de tal forma.

O Dia de Finados simboliza a saudade dos entes queridos, como confortar famílias e amigos nesse momento?

R. C. – Esclarecendo acerca da imortalidade da Alma e estimulando a fé no futuro, o que nos ajuda a entender que a morte não é um fim, mas, apenas uma etapa que foi cumprida. Dessa forma, com o tempo, iremos nos conscientizar de que saudade não precisa ser sinônimo de tristeza e que a morte, de fato, não existe.

 

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